sábado, 8 de agosto de 2009

Dia dos pais

Para todos os pais, especialmente ao meu, essa crônica de Arthur da Távola, me enviada hoje pela amiga Fernanda Guimarães.


Um Filho Rapagão a Dormir
Artur da Távola

Lembro-me de repente de um instante no passado: um de meus filhos, então rapaz, a dormir no sofá da sala, o livro caído a seu lado. Em um filho jovem, mesmo um latagão, a dormir, aflora a criança desvalida e fraca. Some a expressão dos olhos, os significados da voz de machinho, descansam os músculos faciais que definem os traços representativos dos disfarces e defesas que inventamos para sobreviver. Um rosto de jovem, deitado e de olhos fechados, faz cessar por instantes as intensidades e discordâncias daquele novo ser pulsátil, cheio de idéias, atitudes, pontos de vista, competições, raiva, até, da dependência de tantos anos aos pais. Há um breve retorno à desproteção da infância, que renova no pai uma forma poética e emocionada de apego aos filhos. Raras vezes nos é permitido reter a infância dos filhos, esvaída na ânsia de descobertas e justas independências, quando eles "ajovecem". Ao contemplá-los assim, fortes mas vulneráveis, dentro de nós latejam misteriosas intensidades. Somos pedaços de complexidade ganindo ânsias de harmonia e integração. Dentro de nós lavra um afã constante, preparação do vir-a-ser. É a evolução, inevitável. Somos um esforço sem trégua para alcançar um "adiante" que engendrará novas disposições de avanço na direção do não se sabe. Somos pedaços de cansaço feliz por buscar o que, alcançado, transforma-se em plataforma de novos embarques. Somos um lindo e conturbado espetáculo de luta e jardim. Somos a natureza no esforço de existir e propagar a espécie. Somos a expressão dolorosa da ânsia de existir. Assim somos. A/penas. E vemo-nos como tal no filho rapagão a dormir. Por isso, quando de olhos abertos, falando, pregando, querendo, clamando, postulando ou dizendo, somos um cansaço em andamento; somos o nosso doloroso miolo, busca constante de transcendência, transparência e harmonia, ideais da divindade que mora em nós, incompleta, sempre em andamento, em busca da transformação, como o universo. Mas ver o filho a dormir ali, jovem, descuidado, grandalhão, é encontrar a criança que nele mora. E é ser pai de novo. Por certo quem me lê já viveu essa emocionada alegria antecipatória de saudades que se aproximam.

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