quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Claricianas II






CLARICIANAS


João planta flores em vasos de trinta centímetros. Com ele aprendi o significado do verbo envasar e a suportar a idéia da beleza espremida em tão pouco espaço. De vez em quando nos falamos. Ele me diz que as begônias floresceram, que o jasmim está perfumando a rua e me convida para um almoço debaixo do caramanchão coberto por uma trepadeira verde musgo. Se eu fico envergonhada, ele sorri com a boca molhada e me oferece vinho. É tão fácil gostar dele, é como gostar das flores. Mas ele não sabe que as pétalas de rosas alargaram meu coração. Que vez por outra vomito sangue em frases escritas na primeira pessoa e que me controlo para não encher a vida dele de palavras. Amar com palavras é muito perigoso. O amor está no silêncio, onde as palavras não se atrevem. Cada palavra é um atentado. E depois, rachaduras nos vasos, crostas de terra, estranhos sulcos, estranhas flores e formas. E depois, um tempo destruído.
Do livro Claricianas (2007)

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