sábado, 4 de outubro de 2014




Imagem: tecnologia do futuro.blogspot.com 


Hiper-realidade

            Observo a vida pelas redes sociais. Pessoas buscando significados inquietantes para assegurarem-se de que estão vivas, de que não são peças de um simulacro, de uma grande irrealidade que ousa parecer real. Para justificarem, pensam, riem, se autointerpretam, se autoenganam e postam sua própria imagem em busca de uma cotação no mercado do marketing pessoal. Ou seria mercado da estética?
            Todas as palavras relacionadas com a imagem são bem conceituadas nos espaços virtuais. Elas chovem, desabam em avalanches, jorram no espaço e pululam, aos nossos olhos, como bolhas artificiais. Palavras terrivelmente gastas e usadas, esgotadas pelas milhares de vezes que são empregadas. Incontáveis repetições das mesmas piadas, mesmas expressões, mesmos floreios, mesmas metáforas. Pior é quando vejo minhas palavras reproduzindo tais coisas. Eu que defendo a ideia do esvaziamento dos vocábulos gastos e  a ideia de um espírito purificado, limpo da escória do palavreado igual, na primeira oportunidade, repito os mesmos vícios. É a hora de emburrecermos?
             Os rostos das mulheres manipulados por lentes especiais, os olhos dos homens buscando a falsa perfeição, os desejos massificados cortando a carne como lâmina de barbear. Vale mais um retrato bem feito do que um texto bem escrito. Assuntos de todos os níveis necessitam de cores, desenhos, gravuras,  fotos  capazes de exprimir o que já está exposto. A ideia de uma profundeza humana oculta me parece impossível, já que os ruídos da superficialidade são extremamente tranquilizadores.
            Acrescento minhas palavras, aumento com algum murmúrio o imenso barulho das vozes. Marco algumas linhas para nada, para dizer, talvez, que estou viva, que quero ser lembrada, amada, reconhecida e constatar minha cotação no mercado da egolatria. Mostro meus algarismos inúteis, preencho espaços, construo memórias e acrescento os meus amigos neste enredo ruidoso que se movimenta conforme a vida real. Homens e mulheres de todas as idades, de todos os tipos, um dia, sem se dar conta, se autoplagiaram, se autoinvocaram e aqui sobrevivem como cópias de si mesmo.
            Olho para a tela do computador e perco as palavras. Algumas desaparecem instantaneamente. Livro, gato, flores... acidente de carro, assalto, duas ou três palavras incompreensíveis e outras enormes como IDEOLOGIA, INFÂNCIA, EDUCAÇAO... Todas serão apagadas nos minutos seguintes. Vejo o céu por fotografia, vejo os pássaros planando as nuvens em círculos e se confundindo com o plano das ideias, não sei. Os vídeos de lugares distantes me fascinam pelas diferenças. Só me enfadam quando se repetem paulatinamente. Todos os nomes que têm Sorrilla são meus parentes. Mas eu não tenho. E se tivesse, teria sido ainda assim eu mesma. Os nomes não modificam as pessoas. Milhares inventaram outros nomes nas redes. Eu inventei sonhos e um nome que dorme todos os dias no céu da minha boca. Às vezes, as letras se derramam virtualmente por minha garganta, sem qualquer explicação. A gente não consegue explicar tudo que acontece por dentro, nem tudo o que acontece no espaço cibernético tão falso e tão real. Ainda não é possível desvendar esses segredos rápidos, essas aventuras, esses sinais pintados nas paredes pré-históricas digitais que serão, um dia, estudados como modelos arcaicos dessa nossa geração cativa da solidão.
                    Lucilene Machado

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